domingo, 18 de julho de 2010

Epistaxe


Lion estivera em reclusão por vários dias. Fora acometido por uma doença que atingia apenas descendentes de felinos. Estava sobre o skate distraído, olhando para a porta da casa de Margarida, enquanto dali se distanciava. Ela não estava, frustrando os planos de agradecimentos que ele tinha elaborado e tornando obsoletas as flores que trouxera. Por isso, mesmo enquanto se afastava, Lion ainda tinha a mente voltada para lá. Foi aí, no viés da distração, que Lion bateu numa pedra e caiu. Estatelado no chão, com o rosto alisando o asfalto, percebeu que escorria um líquido azul de sua boca. Imediatamente ele pensou: "borra de ciúme".

Os descendentes de felinos, conhecidos como felia, possuíam uma degeneração genética manifesta em estados extremos. Quando sob forte sentimento, em caso de choque ou trauma, os felia expeliam uma substância chamada de borra, na cor do sentimento em questão. A cor do ciúme era azul.

Entretanto, Lion não compreendia. Durante toda a sua reclusão pensara sobre Margarida, sobre sua frustração, e mesmo em meio a devaneios românticos que incluíssem ele e a amiga, ele sabia que entre todas as ternuras, os sobressaltos, os afetos, não se apontava ciúme. Então, resolvera colocar aquele evento junto a todos os outros que tão diligentemente guardava, na esperança de que algum dia, em meio aos desencaixes e simulacros pudesse descobrir algo que o levasse ao passado de quem era.

Ainda absorto na sua incompreensão Lion percebeu que Margarida entrava pela porta, trazendo nas mãos o buquê dele, devidamente seco. Ambos sorriram enquanto se olhavam. Até que o sorriso de Margarida esmoreceu, e ela lentamente se aproximou, com ares preocupados.
- Seu nariz sangra.

Ela catou a bainha da camisa e limpou-o. O nariz de Lion sangrava rosa.