terça-feira, 6 de julho de 2010

Inflorescência

Chegando à esquina, logo viu Margarida. Lá estava, como sempre, braços abertos, olhos semi-cerrados, enquanto entoava cantigas que adormecessem as plantas e os bichinhos. "Aqui é meu canteiro", ela dizia, "desempenho meus talentos para garantir uma raiz por aqui".
Ela estava de costas, e pela enésima vez Lion ia tentar abordá-la de surpresa, e pregar um susto. Desceu do skate em distância hábil, e foi exercitando passinhos de formiga, desviando dos gravetos que outrora tão estaladamente o entregaram.
Já estava bem próximo, à distância de apenas um braço, quando, sem ao menos se voltar, Margarida disse: "já te disse que prender a respiração não te ajuda, te atrapalha. Esse falso silêncio ecoa como arautos em meus ouvidos".
Lion suspirou e desistiu. Sentou-se no gramado enquanto olhava a nuca de Margarida, que nunca virou-se, e ficou matutando novas alternativas de abordagem. Um dia ela ia levar um susto daqueles. Depois, prestou atenção às duas luas rosadas, que apesar do dia claro ainda ocupavam seus lugares no céu.
"Empresta o Jacob pra eu dar um rolé?"
"Toma".
Margarida pegou o skate e saiu andando, deixando Lion dividido entre planos infalíveis, luas rosadas, e a curiosidade de por que seria que Margarida demorava toda uma volta no Jacob para só então olhá-lo nos olhos.